Com o advento da Constituição Federal de
1988, o governo passou a se preocupar com a educação de todos os cidadãos,
visando não o desenvolvimento dos indivíduos em si, mas sua formação e
adestramento para o mercado de trabalho, se atentando apenas ao crescimento do
país e defendendo a filosofia positivista do Brasil. Entre meados do século XIX
e início do XX o país se encontrava num período de transição, o qual a
população rural migrou para os centros urbanos e o trabalho agrário foi
substituído pela indústria comercial.
Segundo dados do INEP 2004, cerca de 30,8
milhões de brasileiros viviam no campo e apresentavam condições sociais
desfavoráveis em relação aos centros urbanos, o que contribuiu para tal
migração, visto que estava em busca de melhores oportunidades de emprego,
salário, saúde, educação, entre outros. Outro aspecto relevante é que inúmeras
famílias que vivem na zona rural são desapropriadas de suas terras, as quais
são “cedidas” aos grandes latifundiários, dessa maneira acarretou-se a
concentração de terras em demasia nas mãos de poucos, o que perdura até os dias
atuais.
A reforma agráriaé o conjunto de medidas que
objetiva minimizar esta desigualdade através de uma melhor redistribuição das
propriedades rurais, esse processo compete ao Estado o qual adquire ou
desapropria as terras dos latifundiários e distribui aos camponeses. Como traz
o inciso da Constituição Federal no artigo 184, “Compete à União desapropriar
por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não
esteja cumprindo sua função social [...]”, porém tal intento não se efetiva o
que fazperdurara desigualdadee evidenciar o constante cenário de lutas.
Tais questões agrárias vêm transformando
radicalmente o mundo em detrimento da intensificação da prática e da ideologia
capitalista, a fim de propagar tais ideias, a educação é utilizada como um
artifício pelos dominantes, a qual deveria servir como ferramenta
imprescindível para transformação acabou por se tornar um mero instrumento
daquelas marcas de uma sociedade capitalista, através do fornecimento de
conhecimento, a fim de se capacitar os indivíduos para o processo industrial. Frente
a essa condição de educação que se volta somente a atender aos interesses da
elite dominadora, a fim de manter sua hegemonia, o ensino visa a não formação
de indivíduos críticos que sejam capazes de lutar por mudanças, surge então a
Educação Física como a disciplina responsável pelo preparo dos corpos dos
sujeitos, adestrando-os para o mercado de trabalho.
Passamos por um período de crescente importância
da educação física devido a sua função e utilidade, pois a nova ordem social
acarretou em critérios para aplicar imposições de moralidade. Em seu processo
histórico, essa disciplina teve seu objeto de estudo centrado na perspectiva de
educação do físico, que se associa à saúde do corpo biológico, ao civismo a
preocupação médico-higienista. A saúde, a disciplina corporal, métodos
ginásticos e características militares eram presentes nas aulas, a fim de se
buscar a adequação do homem à sociedade, a partir daí identifica-se uma
filosofia que pretende educar o homem para servir a sociedade, pensamento este
percebido na abordagem tecnicista, que olha o indivíduo através de suas
aptidões, que serão imprescindíveis à construção de uma sociedade estruturada e
embasada sob uma ideologia capitalista. Contudo, torna-se importante a presença
da Educação Física na escola, com a finalidade de aperfeiçoar o físico dos
discentes, pois assim estariam prontos para colaborar com o crescimento da indústria,
o militarismo e, assim com toda a pátria.
A educação do campo, mais conhecida como
educação rural, segundo Taffarel, 2012, é uma educação dos mínimos, da escola
precária, das classes multisseriadas e sem infraestrutura adequada. Escola de
professores leigos, de poucos alunos e de rara permanência. Escola em que pouco
ou nada se aprende de significativo.
De acordo com o artigo 28º da LDB o sistema
de ensino da educação básica para a população rural deve promover adaptações às
peculiaridades da vida rural de cada região, o que na prática não ocorre,
havendo uma negação por parte dos inúmeros setores do sistema educacional que
não oferta uma preparação adequada para os professores que atuam no campo,
induzindo, na maioria das vezes, que esses profissionais encontrem sua própria
maneira para transmissão do conhecimento, o que acaba por refletir em uma
grande precarização do ensino, alta rotatividade e sobrecarga de trabalho.
A baixa remuneração associada com as
dificuldades de acesso e locomoção às escolas rurais são fatores que
influenciam permanentemente a desmotivação desses professores, sendo esses os
que apresentam menor nível de escolaridade. Diante de tal realidade nota-se uma
situação de exclusão escolar que se apresenta de diferentes maneiras para
aqueles que vivem e trabalham no campo, pois os mesmos não eram vistos como
sujeitos de direitos e de cultura.Frente a isso, Taffarel, 2012 expõe que se
faz necessária uma política de formação e valorização dos profissionais da
educação contemplando um processo de formação inicial e continuada, com um
padrão único de referência nacional de qualidade.
A I Conferência por uma Educação Básica do
Campo ocorreu em 1998, a qual é uma conquista da educação do campo passando a
se privilegiar a formação humana, de professores, o projeto histórico e a
escola. De acordo o artigo 2º do Decreto 7352 são princípios da educação do
campo:
I - respeito à diversidade do campo em
seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero,
geracional e de raça e etnia;
II - incentivo à formulação de
projetos político-pedagógicos específicos para as escolas do campo, estimulando
o desenvolvimento das unidades escolares como espaços públicos de investigação
e articulação de experiências e estudos direcionados para o desenvolvimento
social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o
mundo do trabalho;
III - desenvolvimento de políticas de
formação de profissionais da educação para o atendimento da especificidade das
escolas do campo, considerando-se as condições concretas da produção e
reprodução social da vida no campo;
IV - valorização da identidade da
escola do campo por meio de projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e
metodologias adequadas às reais necessidades dos alunos do campo, bem como
flexibilidade na organização escolar, incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; e
V - controle social da qualidade da
educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos
movimentos sociais do campo.
A
Escola Municipal “Vicentina de Abreu Silva”, Lagoinha situada no Setor Trevo de
Lavras, fundada em 15 de fevereiro de 1965,atualmente tem como entidade
mantenedora a Prefeitura Municipal de Lavras e apresenta uma estrutura física
que compreende cinco salas de aula, uma sala de informática, uma biblioteca,
uma secretaria, uma sala de coordenação e supervisão, um refeitório, uma
cozinha, uma despensa, três banheiros e uma quadra coberta. A Escola funciona
nos períodos matutino e vespertino disponibilizando Educação Infantil, Ensino
Fundamental I e II, atendendo em média 164 alunos.
O corpo docente é composto por professores de
Português, Matemática, Geografia, História, Ciências, Artes, Inglês, Educação
Física, Educação Religiosa e Educação Ambiental, sendo que o professor que
ministra a disciplina de Ciências é o mesmo de Educação Ambiental e, o mesmo
ocorre com o professor de Artes que também é responsável por Educação
Religiosa. A escola é regida por uma coordenadora e uma especialista
(supervisora), tendo também em seu corpo educacional, uma secretária, uma
bibliotecária, um apoio e quatro cantineiras, as quais são responsáveis também
pela limpeza.
Com a visita realizada no dia 14 de fevereiro
de 2014, no período matutino, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco sobre
a rotina de uma escola rural, os professores, os alunos e algumas dificuldades
enfrentadas, bem como a chance de termos um diálogo com a professora de
Educação Física Elisângela Castro, a qual nos proporcionou uma visão mais
específica em relação ao significado da disciplina nessa escola.
Os conteúdos ministrados para Educação
Infantilcompreendem cantigas, rolamentos, circuitos, percepção espaço-temporal
e lateralidade; já nos Fundamentais Ie II tem como objeto de ensino os
esportes, sendo eles: futebol, vôlei, basquete e handebol, além de elementos da
ginástica, dança, jogos e brincadeiras, sendo uma aula semanal para o ensino
infantil e fundamental I, e duas vezes por semana para o fundamental II. Tal
prática pedagógica se volta mais para uma abordagem biologicista, ou seja, uma
educação do físico, a qual se preocupa com o desenvolvimento e aprendizagem
motoras, embora traga em algumas temáticas possibilidades de se trabalhar o
lúdico, a linguagem corporal e a criticidade, voltadas para o desenvolvimento
do sujeito como um todo, dependendo da maneira como são trabalhadas.
A professora relatou que raramente trabalha
conteúdos teóricos em suas aulas, sendo esses ministrados apenas do 5º ao 9º
ano, os quais abordam técnicas, táticas e regras esportivas, assuntos da mídia
relevantes para a Educação Física – Copa do Mundo 2014 – além de algumas noções
de anatomia para o 9º ano trabalhadas por meio de elementos ginásticos como os
aplicados em academias, sendo esta uma estratégia que a professora encontrou
para chamar a atenção dos alunos, em especial das meninas, as quais não queriam
participar das aulas. Quanto às metodologias de avaliação, a docente avalia
seus alunos através de testes escritos (apenas para o fundamental II) e
participação nas aulas que é considerada por ela a mais importante, sendo
obrigatório o envolvimento de todos os discentes a fundamentação da prática e
facultativa a realização da atividade em si (esporte). Diferente das outras
disciplinas as notas são dadas através de conceitos: ótimo, bom e regular.
Para as aulas de Educação Física são
disponibilizados os seguintes materiais: cones grandes e pequenos, bambolês,
cordas, colchonetes, redes de vôlei, bolas (futsal, vôlei, basquete e
handebol), petecas, brinquedos e jogos de tabuleiro, alguns em bom estado de
conservação e outros não. Segundo informações foram solicitados materiais novos,
via ofício, o qual já foi aprovado e a escola aguarda a chegada dos mesmos.
Em relação à concepção da professora sobre a
importância da Educação Física, ela a entende como fundamental no processo de
desenvolvimento motor dos alunos, além de contribuir com a conscientização da
relevância da prática de atividade física para a vida. Em contrapartida, os
alunos não entendem a importância da disciplina, pois acreditam que a mesma se
resume apenas em jogar bola (futsal), tendo uma concepção estereotipada numa
construção de corpo, sem ter consciência do que realmente isso quer dizer.
A maioria dos alunos considera o ambiente
escolar como um local de encontro e paquera, visto que
não moram próximos uns dos outros, aproveitam o horário de aula, em especial o
da Educação Física, por ter um maior contato físico com os colegas e sentirem
livres. Outro fato consiste na falta de perspectiva, de muitos desses alunos,
em relação ao futuro profissional, os quais não se interessam em aprofundar
seus estudos, uma vez que os cargos que desejam ocupar não se faz necessária
uma formação acadêmica, tais empregos se resumiriam a cuidadores de cavalos de
um Haras renomado da região e/ou balconistas, garçons e frentistas do Posto e
Restaurante Sandrele, situado às margens da rodovia Fernão Dias.
Diante do exposto constatamos que a Educação
Física dessa escola rural não difere da do centro urbano, no que diz respeito
aos conteúdos trabalhados, pois tivemos a oportunidade de vivenciar a realidade
de aulas em nosso primeiro estágio supervisionado em escolas da cidade de
Lavras, ressaltando que, tal constatação se deu a partir de apenas uma visita e
através dos relatos de alguns funcionários e alunos da Escola Municipal
“Vicentina de Abreu Silva”.
A disciplina Fundamentos da Educação Física
Escolar contribuiu de forma significativa para ampliar nossa bagagem cultural,
pois nos possibilitou conhecer uma realidade, a qual não se encontra tão
distante, porém esquecida em nosso meio, que é a escola rural – escola do
campo. Além de nos atentar de que o morador do campo não é um mero sujeito
desprovido de educação, cultura e postura, como é evidenciado nos filmes do “Jeca
Tatu”, sendo essas pessoas tão sábias e capazes quanto as que residem no meio
urbano. Nós, como professores em formação devemos pensar numa educação que seja
capaz de formar sujeitos críticos que possam lutar por mudanças e não aceitem
simplesmente a realidade como dada e acabada.
Como evidencia Caparroz, 2007, o que existe
atualmente é uma Educação Física NA escola e não uma Educação Física DA escola,
o que nos incita a buscar novas maneiras de se trabalhar, a fim de se promover
uma Educação Física exclusivamente para a escola.
Placa com nome antigo e ao lado com o nome novo da Escola
Corredor de entrada
Porta de entrada da Escola com uma recepção de "Sejam Bem-Vindos"!
Refeitório da Escola Rural
Quadra da Escola, aberta a comunidade rural após o encerramento do dia escolar e aos fins de semana.
Integrantes do Grupo:
Cássia
Scalioni de Faria; Flávio José Porto Mendes; Isah Baião e Thamiris Martins
Nascimento
Referências:
CAPARRÓZ,
F. E. . Entre a Educação Física na escola e a Educação Física da escola: a
Educação Física como componente curricular. 3. ed. Campinas: Autores
Associados, 2007.
FERREIRA,
F.C. Cidadania e Educação Física: Matrizes Históricas e Políticas, Contradições
e Perspectivas. Universidade Estadual de Campinas, SP, 2013.
HENKLEIN, Ana P.A educação física escolar no ensino
fundamental: análise a partir do currículo básico e das diretrizes curriculares
da rede municipal de ensino de Curitiba. – Universidade Federal De Curitiba,
2009.
TAFFAREL, C. N. Z. Educação popular, movimentos sociais e formação de professores: outras questões, outros diálogos. 1. ed. Rio de Janeiro - RJ: EdUERJ, 2012.
http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/questao-agraria/reforma-agraria
http://www.lavras.mg.gov.br/?p=16299
http://nucleorurallagoinha.blogspot.com.br/2009/09/historico-da-escola-municipal-lagoinha.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7352.htm
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf